terça-feira, 14 de outubro de 2014

A ORIGEM DO MUNDO

A guerra civil da Espanha tinha terminado fazia poucos anos, e a cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um operário anarquista, recém-saído da cadeia, procurava trabalho. Virava céu e terra, em vão. Não havia trabalho para um comuna. Todo mundo fechava a cara, sacudia os ombros ou virava as costas. Não se entendia com ninguém, ninguém o escutava. O vinho era o único amigo que sobrava. Pelas noites, na frente dos pratos vazios, suportava sem dizer nada as queixas de sua esposa beata, mulher de missa diária, enquanto o filho, um menino pequeno, recitava o catecismo para ele ouvir. 
Muito tempo depois, Josep Verdura, o filho daquele operário maldito, me contou. Contou em Barcelona, quando cheguei ao exílio. Contou: ele era um menino desesperado que queria salvar o pai da condenação eterna e aquele ateu, aquele teimoso, não entendia.
- Mas papai - disse Josep, chorando -, se Deus não existe, quem fez o mundo?
- Bobo - disse o operário, cabisbaixo, quase que segredando. - Bobo. Quem fez o mundo fomos nós, os pedreiros. 

(O Livro dos Abraços, Eduardo Galeano, página 14)

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