quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O MUNDO

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Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir ao céus.
Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas. 
- O mundo é isso - revelou. - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

(O Livro dos Abraços, Eduardo Galeano, página 13)

terça-feira, 14 de outubro de 2014

A ORIGEM DO MUNDO

A guerra civil da Espanha tinha terminado fazia poucos anos, e a cruz e a espada reinavam sobre as ruínas da República. Um dos vencidos, um operário anarquista, recém-saído da cadeia, procurava trabalho. Virava céu e terra, em vão. Não havia trabalho para um comuna. Todo mundo fechava a cara, sacudia os ombros ou virava as costas. Não se entendia com ninguém, ninguém o escutava. O vinho era o único amigo que sobrava. Pelas noites, na frente dos pratos vazios, suportava sem dizer nada as queixas de sua esposa beata, mulher de missa diária, enquanto o filho, um menino pequeno, recitava o catecismo para ele ouvir. 
Muito tempo depois, Josep Verdura, o filho daquele operário maldito, me contou. Contou em Barcelona, quando cheguei ao exílio. Contou: ele era um menino desesperado que queria salvar o pai da condenação eterna e aquele ateu, aquele teimoso, não entendia.
- Mas papai - disse Josep, chorando -, se Deus não existe, quem fez o mundo?
- Bobo - disse o operário, cabisbaixo, quase que segredando. - Bobo. Quem fez o mundo fomos nós, os pedreiros. 

(O Livro dos Abraços, Eduardo Galeano, página 14)

ADENDO

Há mais ou menos um ano descobri que tenho um amor platônico por um ser humano, jornalista e escritor chamado Eduardo Galeano, por isso pretendo encher o blog com os textos profundos e encantadores dele.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

MAPA-MÚNDI/2

Ao Sul, a repressão. Ao Norte, a depressão.

Não são poucos os intelectuais do Norte que se casam com as revoluções do Sul só pelo prazer de ficarem viúvos. Prestigiosamente choram, choram a cântaros, choram mares, a morte de cada ilusão; e nunca demoram muito para descobrir que o socialismo é o caminho mais longo para chegar do capitalismo ao capitalismo.

A moda do Norte, moda universal, celebra a arte neutra e aplaude a víbora que morde a própria cauda e acha que é saborosa. A cultura e a política se convertem em artigos de consumo. Os presidentes são eleitos pela televisão, como os sabonetes, e os poetas cumprem uma função decorativa. Não há maior magia que a magia do mercado, nem outros heróis mais heróis do que os banqueiros.

A democracia é um luxo do Norte. Ao Sul é permitido o espetáculo, que não é negado a ninguém. E ninguém se incomoda muito, afinal, que a política seja democrática, desde que a economia não o seja. Quando as cortinas se fecham no palco, uma vez que os votos foram depositados nas urnas, a realidade impõe a lei do mais forte, que é a lei do dinheiro. Assim determina a ordem natural das coisas. No Sul do mundo, ensina o sistema, a violência e a fome não pertencem à história, mas à natureza, e a justiça e a liberdade foram condenadas a odiar-se entre si. 

(O Livro dos Abraços, Eduardo Galeano, página 108)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Amor ao próximo... mas que próximo?


Nunca tive uma experiência homoafetiva, sempre fiquei com homens e namoro o mesmo rapaz desde os meus 15 anos. Durante todo meu processo de descobrimento pessoal – que acredito ainda não ter terminado – não cheguei a sentir atração física ou emocional por uma mulher, apesar de considerar o corpo feminino uma das mais belas criações da natureza. No entanto - apesar da minha orientação sexual - por ser mulher, feminista e Assistente Social, considero como uma obrigação – pessoal - defender e lutar pelas causas LGBT*s e pela efetivação dos direitos dessas pessoas.

Há mais ou menos um mês a prefeitura de Curitiba divulgou o casamento coletivo que irá realizar na Arena da Baixada, estádio do clube de futebol Atlético Paranaense, informando que o evento contemplaria casais heterossexuais e homossexuais. Não com tanta rapidez, mas com o mesmo tom conservador de sempre, há cerca de uma semana, a bancada evangélica da Câmara Municipal de Curitiba manifestou seu descontentamento com a posição da prefeitura, solicitando que a imagem abaixo fosse retirada da página que a prefeitura possui no Facebook. Agora, esse mesmo grupo, quer se reunir com a prefeitura de Curitiba para questionar o casamento coletivo que será realizado na Arena, demonstrando sua insatisfação com a presença de casais homoafetivos. 

Imagem que causou alvoroço entre os evangélicos da Câmara Municipal

Minhas questões, depois de toda essa explanação, são: por que vereadoras e vereadores, que tem várias coisas importantes para se preocuparem, ocupam seu tempo preocupando-se com o amor alheio e restringindo os direitos de pessoas homossexuais? E porque essas mesmas pessoas, que deveriam legislar pelo coletivo, continuam fazendo política baseadas nas suas crenças e opiniões pessoais?

Normalmente as religiões pregam o amor ao próximo e a compaixão, mas isso também não deveria valer quando x próximx é diferente? Qual é a dificuldade de respeitar e de NÃO SE METER na vida dx outrx? E qual a dificuldade de existir, de fato, a separação entre estado e religião?

Nota do Jornal Metro do dia 08/10/2014.
A restrição de direitos e o discurso de ódio contra as pessoas LGBT*s só tem gerado mortes, agressões e sofrimentos. Quantas notícias estamos vendo ultimamente de gays, lésbicas, travestis e transexuais que são agredidxs e mortxs, crimes que são justificados por um deus – representado por uma religião – que diz pregar o amor, mas que responde o próprio amor com ódio! Como algumas pessoas podem considerar mais correto agredir outro ser humano do que ver duas mulheres ou dois homens se beijando? Por que o amor tem ofendido tanto e o ódio tem sido tão banalizado?

Se existem outros mundos, acredito ter caído no planeta errado...