domingo, 14 de julho de 2013

Curitibanas, vadias e clandestinas!

Antes de qualquer coisa, vamos fazer uma breve explicação sobre a utilização do termo "vadia".

A Marcha das Vadias ou Slutwalk teve início no Canadá, quando um policial, que realizava uma palestra sobre prevenção ao crime e segurança, afirmou que "as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias, para não serem vítimas de ataque". A afirmação gerou uma revolta imediata, pois a colocação do policial transfere a culpa do estuprador para vítima, sugerindo que a maneira como a mulher se veste é uma das principais causas para que o estupro aconteça.

A primeira Slutwalk aconteceu em Toronto, no Canadá, no dia 03 de Abril de 2011, tendo como principal reivindicação o fim da culpabilização da vítima nos casos de agressão sexual. Em pouco tempo o movimento começou a se espalhar por outros países e também chegou no Brasil. Já no ano de 2011 diversas passeatas aconteceram no país e no ano de 2012 a Marcha das Vadias tomou maiores proporções e ganhou mais força, sendo que 20 cidades brasileiras organizaram uma marcha com caráter nacional.  

O termo "vadia" é de fato polêmico, mas engradece a marcha e faz com que ela tenha muitos efeitos positivos. A palavra "vadia" vem sendo utilizada pelo machismo para justificar a violência e oprimir as mulheres, "apanhou porque é uma vadia", "foi estuprada porque estava vestida como uma vadia", "transou no primeiro encontro, é uma vadia". Por causa dessas e de outras milhares de afirmações o termo "vadia" foi apropriado pelas mulheres que condenam toda a opressão causada pela machismo, afinal, se poder usar a roupa que queremos, se poder transar no primeiro encontro, se poder dizer um não para um cara, SE PODER SER LIVRE é ser vadia, NÓS SOMOS TODAS VADIAS!


Créditos: Maringas Maciel

Bom... acredito que essa introdução facilita o entendimento sobre a Marcha e sobre sua origem. Agora pretendo falar das minhas impressões sobre a Marcha das Vadias de Curitiba e sobre a importância do movimento.

Ontem, 13 de julho de 2013, Curitiba teve sua 3ª Marcha das Vadias e eu tive a minha segunda. Confesso que na primeira vez que ouvi falar do movimento, ainda no ano de 2011, agi de forma preconceituosa e não entendi qual era o seu real propósito. Por sorte fui desconstruindo os preconceitos e o machismo que existia de dentro de mim (é triste pensar que nascemos e somos criadxs em famílias que, na maioria das vezes, são machistas e nos impõe valores tão ultrapassados e preconceituosos) e, em 2012, participei da minha primeira Marcha das Vadias. Naquele ano eu não achava palavras para descrever o que eu estava sentindo, hoje eu sei que me senti encantada, naquela marcha, vendo tantas pessoas diferentes, vendo tantos rostos revoltados, cansados de tanta violência, de tanta opressão, vendo corpos nus - corpos como o meu, como o seu, corpos que são apenas corpos, que não são objetos sexuais, que não são ofensas, nem indecências - eu percebi qual era a importância da marcha, a importância de se indignar e de protestar contra o patriarcado, que desde a sua origem mata e oprime as mulheres. Eu percebi qual era o significado e a importância de ser feminista!

Créditos: Maringas Maciel

Nesse ano eu também fiquei encantada, fiquei feliz por ver que a cada dia mais pessoas aderam ao movimento, mais sujeitos se indignam com os moldes e os valores impostos por nossa sociedade e vão para a rua protestar. Posso dizer, sem nenhuma dúvida, que a marcha desse ano serviu para me empoderar, se no ano passado eu fiquei encantada, nesse ano eu saí da marcha empoderada. Terminei a marcha mais revoltada do que quando comecei, revoltada com o preconceito, revoltada com os números de mortes, de estupros e de violência contra a mulher e contra as pessoas LGBTQ, em Curitiba, no Paraná e no Brasil, revoltada com a discriminação e a violência sofrida pelas mulheres negras, pelas mulheres pobres, revoltada com uma sociedade que ainda acredita que a mulher deve ser submissa ao homem... mas essa revolta é válida e necessária, a marcha nos faz abrir os olhos, nos faz ver além daquilo que a mídia mostra, nos faz questionar e nos deixa muito, muito revoltadxs!

Créditos: Maringas Maciel

Assim como a revolta, a marcha também me fez ir para a casa com outro sentimento: a esperança. Ver tanta gente reunida, mulheres, homens, gays, lésbicas, bis, trans*, novxs, velhxs, crianças... me fez ter muita esperança. Esperança de que as coisas vão mudar e de que um dia viveremos numa sociedade onde ninguém é oprimido ou julgado pelo que é, pelo que veste, pelo seu trabalho, pela sua cor, por suas escolhas, uma sociedade onde as famílias vão criar seus filhxs com valores feministas, valores que pregam a liberdade, a igualdade, a não submissão, uma sociedade onde as mulheres terão total autonomia sobre os seus corpos, onde poderão dizer não ou sim e serem respeitadas por suas escolhas, uma sociedade que não hipersexualiza  o corpo feminino e nem condena a liberdade sexual da mulher, uma sociedade onde o aborto é legalizado, onde as mulheres poderão escolher se e quando terão filhos, uma sociedade que não reprime homens que choram, homens que demonstram seus sentimentos, uma sociedade que não define cores, nem brinquedos para as suas crianças, uma sociedade livre, uma sociedade igualitária, uma sociedade feminista!

Créditos: Andréia Baia Prestes

Essa luta é de todxs nós e de todos os dias! Ela não para na marcha, nem nos cartazes... essa luta tem que ser levada para dentro de nossas casas, para as escolas, os locais de trabalho, essa luta tem que fazer parte das pequenas atitudes do nosso dia-a-dia, ESSA LUTA NÃO PARA!

Por isso hoje, mais do que nunca, eu grito: EU SOU VADIA!

LEVANTAI-VOS!

Créditos: Fabiana Caldart


Todas as bichas, bicinhas, bichonas. As mariconas, as afeminadas, as passivonas, as excêntricas, as marginais, as depravadas, as despudoradas. As opositoras do heterocapitalismo, as contestadoras da heteronormatividade, as humilhadas, as violentadas, as escarradas.
Todas!
Levantai-vos, todas!

Todas as fanchas, monocós, caminhoneiras, sapatonas... As mulheres negras, pardas, amarelas, cor-de-rosa. As vadias, as putas, as prostitutas. As biscates, mulheres da rua, as nuas. Todas as estranhas, as subversivas, as corrompidas, cuspidas... Todas as enxotadas, enxovalhadas, as perseguidas.
Todas!
Levantai-vos, todas!

Todas as macho-fêmeas, travestis, drag queens, drag kings, crossdressers, transgêneros, intersex. As ambíguas, as dúbias, as confusas. Transhomens, transmulheres, transviadas, desviadas, desconfiadas, viadas. As desfamiliarizadas, as estrangeiras, as contra-identitárias, as etéreas.
Todas!
Levantai-vos, todas!

Todos os corpos estranhos, desfigurados, amputados, não conformados, não capturados. Os corpos sujos, peludos, alterados, marcados, protéticos, mancos, coxos... Os corpos dobráveis, contornáveis, dissidentes. Os corpos rasgados, perfurados, modificados. Os corpos-muleta, os corpos-cadeira, os corpos-dildo, os corpos tortos. Corpos gordos, assimétricos, desalinhados, desequilibrados.
Todas!
Levantai-vos, todas!

Prazeres imundos, dismorfes, desterritorializados, híbridos, contra-sexuais. Prazeres sintéticos, inorgânicos, inventados. Prazeres líquidos, fluidos. Prazeres abjetos, rotos, negados. Prazeres imprevisíveis, não assimilados, invisíveis.
Todas!
Levantai-vos, todas!

Hereges, pecadores, profanos, bruxas, traidoras da norma, monstros e dragões, ciborgues e mutantes, centauros e duendes, borboletas e lagartas. As dessacralizadoras do cu, as desmistificadoras do cis, as subvertidas, as invertidas, as incontidas, as invadidas.
Todas!
Essas vidas todas! Vivíveis!
Levantai-vos!


Texto de Jamil Cabral Sierra